Por que os Estados Unidos não usam o sistema métrico tradicional? A pergunta vem à tona quando, ao assistir filmes ou ter contato com qualquer produto norte-americano que meça em polegadas, em vez de metros. Ou, em ver que o país insiste, ao longo da história, em continuar bebendo café em onças e bombeando gasolina em galões. Afinal, por que o sistema de medidas é tão diferente nos Estados Unidos?
A verdade é que, por trás dessa insistência toda, está uma história com pesadas nuances de patriotismo, estabilidade política e, até mesmo, uma certa desconfiança histórica dos franceses. Ué, como assim, gente? Bom, isso você vai descobrir daqui a pouco! Mas, antes, é interessante analisar a importância de se estabelecer um sistema métrico tão próprio e peculiar como acontece por lá.
A forma como os estadunidenses escolheram medir as coisas pode parecer banal e até entediante. Contudo, esse simples detalhe estrutura a maneira como aquele povo vive e interage entre si. O historiador Ken Alder, autor do livro “A Medida de Todas as Coisas: A Odisseia de Sete Anos e o erro oculto que transformou o mundo”, faz uma análise bem relevante do assunto.
O que acontece no sistema de medidas dos Estados Unidos é um padrão, isso é fato. E, segundo Alder, não é possível fazer comparações ou ter uma economia sem estabelecê-lo. Por isso, “as pessoas têm lutado amargamente por padrões porque é realmente uma luta sobre como a economia funciona”, explica o estudioso. Então, saiba agora por que os Estados Unidos não usam o sistema métrico.
Os franceses e a criação do sistema métrico
Na década de 1790, o governo de Paris pediu que a Academia Francesa de Ciências apresentasse um novo sistema de medição. A ideia era baseá-lo em algo que pudesse ser fisicamente quantificado na natureza, resistindo ao “teste do tempo”. Sendo assim, foi decidido que um metro equivaleria a um décimo milionésimo de um quadrante da circunferência da Terra… Oi?
Traduzindo, a medida é a mesma da linha que vai do Pólo Norte ao Equador. Foi essa regra que levou ao início do sistema métrico. Nele, como se sabe, tudo se divide em decimais e, além de ser o modo mais fácil de padronizar medições, acaba sendo o mais lógico. Por isso, a maior parte dos países o adota. Menos os Estados Unidos, Libéria e Mianmar. Por que a teimosia em seguir com as unidades de jardas, milhas e pintas? Antes, que tal um pouco de história?
A Revolução francesa e a padronização…
Antes da Revolução Francesa, as medidas diferiam de país para país, de cidade para cidade. Acredita-se que, antes do sistema métrico, havia mais de 250.000 unidades de medida diferentes na própria França. Pense no caos! Não é difícil imaginar por que era tão importante padronizar as medidas, especialmente para o comércio. Tantos sistemas locais dificultavam o que era comercializado, problema resolvido com a padronização.
Não pense, entretanto, que a mudança veio de forma tranquila. As medições antigas funcionavam bem para os franceses por estarem vinculadas a sistemas físicos de contagem. O tamanho de um campo, por exemplo, pode ser medido pelo ‘journée’, ou ‘dia’ em francês. Isso denotava o número de dias levados para a colheita. A terra era medida em ‘boisseaux’ (ou ‘bushels’), quantificando as sementes necessárias para semear a terra.
Mas aí, veio a revolução, Luís XVI sucumbiu à guilhotina e foi substituído por integrantes do movimento iluminista. Curiosamente, os novos líderes raciocinaram que a cabeça de Luís deveria ser pesada em quilos (curioso e macabro, não?). Começava aí, a ideia de racionalização, culminando no sistema métrico. Os Estados Unidos, então, deveriam ser o segundo país a adotar a nova forma de medição.
Thomas Jefferson, então secretário de Estado dos Estados Unidos, mandou chamar um cientista francês chamado Joseph Dombey, em 1793. O cientista veio para o Novo Mundo munido de um pequeno cilindro de cobre destinado a ser o novo peso padrão da América. O cilindro pesava exatos 1kg. Porém, o navio nunca completou seu trajeto. Uma tempestade o tirou do curso e os piratas britânicos acabaram tomando posse dele.
Como em um filme, Dombey foi feito prisioneiro, o cientista acabou morrendo e o quilo jamais chegou até Jefferson.
Afinal, por que os Estados Unidos não usam o sistema métrico?
O que os franceses têm a ver com isso? A verdade é que não muito! A insistência em seguir com o sistema habitual tem muito mais a ver com patriotismo. Pois bem, nem todos eram tão francófilos quanto Thomas Jefferson e manter as medidas tradicionais era uma questão de identidade. Trazendo para a atualidade, é como analisar a resistência de alguns quanto à globalização, um risco de perder o controle local pela uniformidade.
A própria França demorou 100 anos para efetivar a implementação. Em 1790, George Washington observou a necessidade de uniformizar moeda e medidas. Na época, entretanto, somente o dinheiro foi decimado com sucesso. Até que os Estados Unidos tentaram fazer a troca algumas vezes, mas nunca conseguiram seguir em frente. O sistema britânico estava muito enraizado na indústria americana e na própria psique nacional.
Vários esforços de grupos franceses foram envidados para que o sistema métrico de fato “pegasse”. Mas foi somente com a Revolução Francesa que isso aconteceu, mesmo que a duras penas. A polêmica, contudo, não termina no patriotismo. Atualmente, há cientistas que discutem sobre as flutuações do quilograma e do metro. Também conta a relativa estabilidade política dos Estados Unidos para que o país não adote o sistema métrico.
Desde sua independência, os americanos não passaram por golpes e revoluções. No que isso interfere na adoção do sistema métrico? Alder, o historiador que mencionamos lá em cima, explica que uma revisão completa do sistema de medição requer um pouco de turbulência. Ok, o país passou pela Guerra Civil, “mas o conflito não foi suficientemente subversivo para fazer essa mudança”, esclarece o historiador.
A forma de medidas nos EUA foi se transformando e evoluindo a partir da mistura de vários sistemas ingleses medievais. E, isso também se relaciona, de certo modo, com a história de não adoção do sistema métrico no país. O Reino Unido, inclusive, só começou a jornada em direção ao sistema métrico na década de 1970, quando a realidade de sua geopolítica mudou radicalmente.
Além de perder seu império, o Reino Unido começou a negociar com vizinhos continentais em vez das ex-colônias. Como consequência, os britânicos adotaram apenas o novo sistema, ainda que de forma distinta. Sinais de trânsito seguem quilômetros enquanto os pubs ainda servem cerveja em pints. Ainda que as medições de seco e líquido sejam diferentes entre Reino Unido e EUA, Jimmy Carter tentou seguir os britânicos.
Foram colocadas placas de sinalização em quilômetros, mas os cidadãos não se adaptaram e a ideia acabou abandonada. O Congresso chegou a aprovar uma lei em 1975 para fazer a mudança, mas a transição era voluntária e sem prazo definido. Diante do exposto, o que aprendemos até aqui? Bom, se há o desejo de que os EUA sucumbam ao sistema métrico, saiba que isso pode vir acompanhado por mudanças políticas bem drásticas.
Fui funcionário de uma empresa americana no departamento de metrologia. Nesta empresa o sistema de medição adotava-se todos os sistemas polegadas, milímetro (sistema métrico), Kgf, Nm, Kg cm2, portanto, usava-se o sistema métrico e o sistema inglês e em alguns casos permitiam conversões.